17 de janeiro de 2017

Como matar seu dragão

Todos na vila taparam os ouvidos quando notaram aquele grunhido estrondando no ar. Começou baixinho e devagar, mas todos já tinham percebido o que havia voltado.

Até que alguém gritou: dragãaao! Aí começou o pavoroso. Mulheres caíam ao correr com suas crianças no colo. Muitos já estavam jogados se contorcendo de dor só pelo som que a criatura emitia antes de chegar. Homens estavam paralisados de terror — vi gente que havia urinado nas calças. As crianças choravam ao mesmo tempo que tentavam tapar os ouvidos. Era uma cena angustiante.

Mas eu fiquei onde estava. Não ouvia a voz do dragão, nem me esforcei para manter a calma. Algo me dizia para correr também, algo ainda me sugeria que eu deveria ter medo, mas por algum motivo que não soube definir, eu fiquei tranquilo e parado.

Vendo-me de pé, aquela monstruosidade gigantesca pousou à minha frente. Olhei nos grandes olhos dele, sorri apenas com o lado esquerdo mirando bem à fera; ele pareceu confuso, retraiu um pouco a cabeça como quisesse entender, e foi então que o impossível aconteceu: de súbito, abri a boca e fui eu quem cuspiu fogo no dragão. Lava brotava do meu estômago emergindo em um gêiser de fogo que tinha um sabor adocicado enquanto passava por minha língua. Não parei até que a criatura se revolvendo em chamas caiu com boa parte do corpo desfeita em carne derretida e cinzas.

Quando terminei, limpei a boca com os braços e cuspi os restos de lava no chão — estava satisfeito. Uma criança me olhava agora espantada e ninguém que tinha presenciado o inusitado entendia nada.

— C-co-como o senhor fez isso? O que f-fo-foi isso?

Sorri novamente, mas agora para responder:

— Eu comi minhas palavras, criança. Engoli o meu orgulho no estômago até que depois de consumir o meu interior, ele tivesse fermentado. É essa a melhor arma para matar dragões: humildade. Quando a gente mata o dragão que vivia lá dentro, os que estão à solta não nos assustam mais.

— Então é preciso se fazer humilde para matar dragões?

— Não, querido. Como eu, você também entendeu errado. Algumas pessoas enxergam humildade como o honrado esforço de diminuir a si mesmo a fim de não se sobrepor aos demais — mas não é. Humildade é a simples aceitação da realidade.

— Que realidade?

— A realidade da própria insignificância, Paulo (que quer dizer pequeno). Dragões não podem matar quem para este mundo já está morto.

— Então, é necessário morrer?

— Agora você entendeu. Sim, morrer é o necessário.

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