15 de novembro de 2019

“Não sinto a presença de Deus”

Queria compartilhar uma das lições mais úteis e de resultados mais concretos que aprendi no meu relacionamento com Deus esses anos. Considero como uma etapa de amadurecimento da vida cristã essencial à nossa paz e para adquirir uma fé mais sólida.

É bastante comum, ouvirmos em orações ou até em sermões, mesmo de amigos muito próximos, o pedido ou a ênfase na importância de se “sentir a presença de Deus”. Sentir a presença de Deus é realmente uma experiência maravilhosa. Posso dizer que os momentos mais felizes da minha vida foram marcados por um senso forte da presença do Senhor em locais ou circunstâncias muito simples, sem atrativos exteriores.

Mas eu queria dizer-lhe o quanto esse pedido, ou melhor dizendo, o quanto basear seu relacionamento com Deus nesse quesito, é perigoso e danoso. Se você for cristão, pode lhe parecer herético ensinar a alguém a não confiar no senso da presença de Deus, mas não é, e vou explicar.

Acontece que converso com amigos que estão cansados e ansiosos, ou se sentem frustrados na vida cristã, porque lhes parece que Deus não ouve suas orações, ou se vêem distantes dEle. A alegação mais comum é esta: “Não consigo sentir a presença de Deus”. E por não sentir, a ideia de um Deus distante, magoado ou frio, parece-lhe a mais óbvia e certa. Mas isso é um erro. Satanás torce por adquirirmos essa perceção, e ensina-o com maestria às pessoas, e por que não dizer, com deleite também.

Ora, não me recordo, em todas as escrituras, de uma só passagem em que nos seja aconselhado a sentir coisa alguma sobre nossa relação com Deus (se você conhecer uma, por favor, me mostre). Há pelo contrário, uma quantidade infinda de conselhos sobre o perigo de confiar nos próprios sentimentos. Jeremias nos deu a clássica advertência: “Enganoso é o coração”. “Enganoso”, ele disse. Trapaceiro, mentiroso, salafrário, é o coração humano. Para você, o seu, principalmente.

Pense em João Batista minutos antes de ser decapitado, os discípulos quando foram perseguidos e mortos à fogueira, ou Jesus antes de ser crucificado. Não os vejo animados ou alegres por “sentirem a presença de Deus”. Muito pelo contrário, os vejo cansados, emocionalmente feridos e muitas vezes tristes.

Na Cruz, o próprio Cristo bradou que não sentia mais a presença de Deus. Pelo contrário, ele se sentia abandonado e questionava a Deus por que o havia desamparado. Mas note ao mesmo tempo que esses sentimentos não foram suficientes para fazê-lo desistir. Não abalaram em absolutamente nada sua confiança nos planos do Pai. E nessa confiança eles foram até o fim, até a morte por Ele. Sua relação com Deus baseava-se, portanto, em algo superior, algo elevado, algo substancialmente mais confiável do que os sentimentos traiçoeiros da natureza humana, a qual damos tanto ouvidos e tanto nos frustramos.

Na vida real não existem super-herois. Nós nos cansamos de verdade, é ruim e desconfortável de verdade. Uma realidade que não podemos alterar e a que todos estamos sujeitos, por maior que seja nossa comunhão com Deus. Testemunhas além de Cristo nós temos muitas: Paulo, Moisés, Pedro, Davi, e a lista continua. Portanto, o fato de você não sentir a presença de Deus não é o fator determinante para o estado de sua fé.

E agora, eu queria que você tivesse uma noção melhor do quanto esse princípio, de não basear sua relação com Deus em sentimentos, é importante, e pode revolucionar seu relacionamento com Deus. O que no fundo estou tentando dizer, é que você deve basear sua percepção de Deus no conhecimento do caráter de Deus, por quem ele é, e não nos seus próprios sentimentos.

Na verdade, se você baseia sua relação com Deus no que sente, então você se relaciona apenas consigo mesmo, e tem de lidar sozinho com seus medos, frustrações e percepções errôneas da vida.

Outra coisa grave que preciso dizer, é que isso é idolatria — autoidolatria, se assim pudermos chamar. Pode parecer estranha uma alegação dessas, mas você se torna ídolo de si mesmo porque os sentimentos são seus, e o Senhor acaba não entrando nessa relação. O deus imaginário a quem você serve e confia, é apenas uma miragem abstrata, talvez baseada em Deus, mas imagem forjada como reflexo de algum espelho fosco de si próprio. No fundo, você pensa que confia em Deus, mas está enganado. Confia apenas nos seus sentimentos a respeito de Deus, não nEle próprio. “Seus sentimentos” — você, confiando no que sente. Não é muito diferente do fariseu que “posto em pé, orava de si para si mesmo” (Lucas 18:11). Para ter fé em Deus, você precisa confiar nEle a despeito de si mesmo — O Senhor é independente de seus sentimentos ou percepções.

Em minha própria experiência, Deus me fez não apenas não sentir Sua presença, como permitiu-me sentir sozinho e aparentemente abandonado. Tive que aprender a descansar na confiança de quem o Senhor é por Ele mesmo, independente do que eu pense ou sinta. Sei que é maravilhoso sentir a presença de Deus; quisera que todos os meus conhecidos desfrutassem dEle, e, de bom grado, muitos deixariam seus vícios por momentos de oração. Mas quero aqui, enfatizar o perigo e os danos de fazer da sua própria percepção, um parâmetro no seu relacionamento com Deus. Ele não nos ensinou isso em lugar algum.

No entanto, se você basear seu relacionamento com Deus no caráter que Deus tem, por Ele mesmo, independente de você, poderá desfrutar de uma paz maravilhosa. Afinal, por mais complexas e diferentes que se tornem as circunstâncias, Ele não muda, porque o caráter de Deus é assim, imutável. É sempre o mesmo, e sua confiança portanto, não pode ser abalada com facilidade. Isso traz descanso.

Note que o diabo não pode mudar o caráter de Deus, mas pode, com certa facilidade, como já pudemos constatar em experiências passadas, alterar nossos sentimentos sobre Ele. E se quisermos uma fé mais sólida, essa é uma brecha que precisamos fechar.

Perceba o quanto as pessoas que baseiam sua relação com Deus no sentir a presença dEle sofrem. “Hoje estou triste”, “hoje estou frustrado”, “hoje estou cansado”, “hoje estou com medo”. É óbvio que você sentirá dificuldades em sentir a presença de Deus nesses dias. Mas e daí?! Independente do que você sinta ou deixe de sentir, Deus é Deus. Ele não precisa dos seu sentimentos ou percepções para existir. E continuará sendo mesmo jeito que sempre foi a eternidade inteira, quer você sinta, quer deixe de sentir alguma coisa.

A confiança no caráter de Deus muda o jogo. Muda sua disposição para enfrentar a adversidade. Muda você, muda tudo! Na verdade, confiança é depender de outro, e como é emocionalmente cansativo depender de alguém tão volúvel como si mesmo. Se quiser confiar em sentimentos, confie nos sentimentos de Deus, e não nos seus.

Descanso é saber que “estou desse jeito agora, mas Deus continua como sempre foi, mesmo antes dessa tal situação acontecer”. “Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vocês […] não são consumidos”. (Malaquias 3:6). “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, e hoje, e eternamente”. (Hebreus 13:8). “No sossego e na confiança está a sua força” (Isaías 30:15).

Agora que expliquei o recheio da coisa toda, queria te falar brevemente sobre por que não confiamos no caráter de Deus, e preferimos confiar nos próprios sentimentos, endeusando a nós mesmos.

A afirmação que faço é categórica, repetitiva e real: nós desprezamos a Bíblia. Não confiamos em Deus, porque não podemos confiar em quem a gente não conhece. E não O conhecemos porque fazemos pouco caso do que Ele disse de si mesmo.

O único lugar inteligível no mundo onde se pode conhecer o caráter de Deus tal como Ele a si próprio se revela é em sua Palavra, mas fazemos dela um amuleto para exibir o Salmo 23 na sala. “Nem só de pão vive o homem”, disse Jesus. E, contudo, nossa alma morre de inanição. Na verdade, ler a Bíblia, é como comer o caráter de Deus. É assim que se nutre a mente com as vitaminas da sua personalidade. É assim que se ganha independência do politeísmo de nossas variações de humor.

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