1 de setembro de 2020

Depois do Everest

Como diminuir o impacto do que os outros pensam sobre você

Eu sempre tive um raciocínio muito fixo sobre a relação de ‘causa e consequência’, algo lógico demais. Era costume raciocinar baseado na ideia de que para que algo tenha acontecido, uma razão compreensível certamente estava por trás. Ou, se alguém disse ou agiu de certa forma, é porque com certeza havia um motivo plausível que explicasse bem tal atitude. Assim, se eu entendesse os motivos, logo, seguia-se a conclusão de que as ações fariam sentido. E eu estava errado.

Sempre me confundiu investigar os fatos e não achar os motivos coerentes. Veja meu nível de imaturidade! Afinal, existe algo mais incoerente do que um ser humano? As ações de um cachorro de rua são muito mais lógicas e previsíveis do que as de uma pessoa. Já vi um vira-latas aguardar na faixa de pedestres o sinal abrir enquanto as pessoas corriam para o meio dos carros.

É óbvio que nós temos essa percepção da incoerência humana, mas dificilmente a incluímos como uma variável na equação de causa e consequência. E é a falta dessa variável que nos faz insistir em considerar demais os que os outros dizem ou fazem. A expectativa é a eterna mãe da frustração.

Internalize: “as pessoas não sabem o que fazem”. E reforce essa premissa relembrando as suas próprias incoerências. Afinal, quantas vezes você fez coisas das quais, momentos depois, ficou se perguntando: por que eu fiz isso, meu Deus?

Entender a falta de sentido nessa relação me ajudou rebaixar as expectativas em muito do que as outras pessoas dizem ou fazem. De fato, em boa parte do tempo, nós somos muito irracionais. Nossas ações simplesmente não fazem sentido, mas ainda insistimos em procurá-lo, e é a expectativa da razão que maltrata. Não espere tão rigidamente isso de alguém como você.

Compreender um pouco melhor a mim mesmo, ajudou-me a esperar menos dos outros porque eles são como eu: autocontraditórios, naturalmente incoerentes.

Como eu, boa parte das pessoas, em boa parte do tempo, simplesmente não sabem por que fazem o que fazem. Não quero dizer com isso que todas as pessoas são loucas. Elas até estão conscientes do que estão fazendo, mas não sabem o motivo pelo qual fazem. Esse é o ponto.

É esquisito, mas há alguns anos eu entendi esse princípio que contribuiu demais para alcançar um novo patamar em minha escala de ‘deboísmo’ pessoal. Depois que desliguei o telefone, eu tive a certeza: ‘em boa parte do tempo, as pessoas não fazem a menor ideia do que estão fazendo’. E essa convicção me trouxe ótimos efeitos colaterais.

Pensei intuitivamente: “se em boa parte do tempo as pessoas não fazem a menor ideia do que estão fazendo, não faz sentido esperar que as decisões delas sejam razoáveis. E por que cargas d’água eu deveria me importar com o que não faz sentido?” Nesse faroeste de incertezas, os outros estão tão perdidos quanto eu. É tiro pra todo lado, a esmo. E eu, baleado com o telefone na mão, ria comigo mesmo quando encerrei a ligação, e acho que os anjos ao meu redor riam também.

Agora, note que Jesus tinha esse mesmo entendimento. Ao ser crucificado e zombado por seus executores na cruz, Ele pediu ao Pai que lhes perdoasse, e baseou seu pedido com uma justificativa específica: “Perdoa, porque eles não sabem o que fazem” (Lucas 23:34). A gente não não sabe o que faz. Obviamente, isso não nos exime da culpa de não saber, e nem da responsabilidade por nossas ações. Observe que Jesus pediu perdão, e não pediu desculpas. O perdão só existe para a culpa. Quando é um mero erro ocasional ou sem intenção, a gente apenas declara o infrator des-culpado (sem culpa). A nossa ignorância não é carta de auforria para nossa incoerência.

Para finalizarmos a nossa conversa, vou te dar 3 razões para que, refletindo melhor sobre elas, você consiga diminuir o impacto do que os outros dizem ou falam a seu respeito, sob o prisma de que “eles não sabem o que fazem”:

  1. De tudo o que observam, as pessoas só conseguem obter um modelo da realidade e não a realidade como de fato ela é; e todo modelo não passa de uma mera aproximação, uma representação de parte do todo que o observador conseguiu notar, mas nunca a obra completa — sempre faltam mais variáveis. Quando estava na faculdade de Computação, ouvi essa frase e nunca esqueci: “Todos os modelos são errados. Alguns modelos são úteis” – George Box. Uma opinião é um modelo de entendimento, uma aproximação, e não uma verdade universal.
  2. Intimidade é um poder que concedemos para que outras pessoas exerçam impacto sobre nós. Por isso, é importante distinguir “amigos” de “amigos íntimos” ao repartir o grau de intimidade que cada um pode ter em nossa vida. Seja seletivo com suas amizades íntimas. Nem todo mundo merece ter esse poder. Contudo, os amigos íntimos verdadeiros também discordam e nos confrontam, mas seu impacto edifica.
  3. Entender que em boa parte do tempo, até quando são sinceras, as pessoas não fazem a menor ideia do que estão dizendo. A sinceridade é a verdade do ponto de vista de alguém para você. Mas se eu estiver olhando para você por trás do Monte Everest, meu ponto de vista sincero, estará sinceramente errado. Os amigos íntimos são aqueles que você escolhe para trazer para mais perto. Eles terão um ponto de vista melhor. Mas mantenha as opiniões dos demais de onde eles as emitem, depois do Everest.

Se você assimilar a ideia de que em boa parte do tempo as pessoas simplesmente não sabem o que fazem ou o que dizem, o impacto das opiniões delas diminuem drasticamente; afinal, o poder da frustração reside na expectativa de que o que elas dizem ou fazem faça sentido — mas muitas vezes, simplesmente não faz. E com Jesus, você também poderá orar quando for crucificado por elas no monte Everest: “Pai, perdoa, eles não sabem o que fazem”.

You may also like...

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

This site is protected by reCAPTCHA and the Google Privacy Policy and Terms of Service apply.